ESTELIONATO RELIGIOSO: SAIBA COMO SE PROTEGER DE GOLPES DE FALSOS SACERDOTES E ABUSOS ENVOLVENDO A ESPIRITUALIDADE


Caso de mãe e filha acusadas de extorquir mulher em Barretos (SP) levanta questão do limite entre fé e charlatanismo. Associação Nacional das Religiões Afro-Brasileiras diz que crime não está na cobrança, mas na falsa promessa visando vantagem financeira.

 

O caso de mãe e filha suspeitas de extorquir uma moradora de Barretos (SP) sob a promessa de um "trabalho religioso" levantou questão do limite entre fé e charlatanismo.

 

No código penal, estelionato é caracterizado pelo ato de "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".

Já o advogado Leonardo Afonso Pontes explica que o estelionato religioso corresponde ao uso da religião e da fé alheia para cometer tais atos enganosos.

Para ajudar a entender melhor como se proteger desse tipo de crime, o g1 conversou com Carol Módolo, presidente da Associação Nacional das Religiões Afro-Brasileiras (FNAb), e com dois sacerdotes de Umbanda e Quimbanda.

Os principais sinais de alerta mencionados por eles são:

  • Promessas de resolução rápida de situações, como "trazer o amor de volta em x dias" ou cura de uma enfermidade de forma imediata;
  • Exigência de sigilo sob a ameaça de que o trabalho não irá funcionar;
  • Uso de redes sociais sem existir uma casa ou templo religioso de fato;
  • Cobrança de valores exorbitantes e fora da realidade;
  • Pressa, terror psicológico e pressão para realização do trabalho;
  • Tons de ameaça e catástrofe imediata caso o trabalho não seja realizado

·         Pode cobrar por trabalhos religiosos?

·         Carol Módolo explica que o pagamento por trabalhos religiosos pode ser feito e que a FNAb não interfere nesses casos, desde que não envolva questões éticas e morais.

·         Ela explica que pagamento é necessário tanto por elementos materiais que são utilizados em oferendas e procedimentos espirituais, como velas, alguidares, frutas, flores, sementes e artefatos que possuem valor espiritual quanto pelo conhecimento, tempo e energia do sacerdote que é desprendido para realização do trabalho.

·         "Se o dirigente está dentro de um sacerdócio onde é ético e moralmente aceitável, não há problema na cobrança e o tipo de trabalho que ele vai realizar. Isso é particular de cada casa", explica.

 

O sacerdote do Templo de Quimbanda Exú Marabô, Tata de N' Nanga Nláijasé, explica que além dos materiais, manutenção do templo e do tempo dedicado ao procedimento, o sacerdote também precisa de um trabalho de limpeza em si mesmo após realização de procedimentos em terceiros.

Além disso, ele explica que para a Quimbanda, há uma questão espiritual e ancestral no ato da troca, que se torna também um fundamento religioso. O ato de todos sairem beneficiados por uma ação é importante para manter o axé (energia) dos trabalhos.

"Antigamente, nas feiras livres, as trocas eram feitas com moedas e búzios. Hoje, a gente faz uma troca com a divindade. A pessoa vem, solicita o trabalho, o sacerdote passa um valor justo e esse valor é trocado em materiais para a divindade executar o trabalho", diz.

Em outras religiões e casas, especialmente as mais ligadas ao cristianismo e espiritismo, no entanto, o fundamento da caridade se sobrepõe à troca. Algumas realizam trabalhos totalmente gratuitos ou onde o consulente leva apenas os objetos necessários para o procedimento sem custos adicionais.

 

Quando a cobrança vira abuso?

De acordo com Carol Módolo, a cobrança vira abuso a partir do momento em que são feitas promessas irreais, ameaças, intimidações, pressão com o intuito de enganar a vítima se aproveitando de suas vulnerabilidades.

Ela conta que a FNAb recebe denúncias de estelionato religioso diariamente. Diz, ainda, que existe um padrão para este tipo de golpe: trabalho solicitado por redes sociais, utilizando falsas promessas seguidas de ameaça e exposição da vítima.

O estelionato ocorre pela tentativa de adquirir vantagens ilícitas, causar danos de forma ardilosa e fraudulenta e induzir a vítima ao erro. A grande maioria desses criminosos, segundo ela, sequer é sacerdote de fato.

 

Sinais de alerta

A presidente explica que a promessa de resultados rápidos e milagrosos é o principal sinal de alerta.

"Não existe promessa de trazer amor de volta ou dizer que o trabalho é infalível, que a pessoa nunca mais vai ficar doente. A promessa nunca pode existir. É preciso uma conversa séria, justa e clara, transparente".

Outro sinal de alerta, segundo Módolo, é a exigência de sigilo por parte do sacerdote. Dizer que se 'contar para alguém não vai acontecer', é uma forma de tentar controlar a vítima e a impede de pedir orientação.

A indicação da FNAb é que, caso a pessoa não tenha dinheiro para pagar por um trabalho, ela procure casas que realizam atendimento e trabalhos gratuitos.

"Não estou falando que cobrar é errado, mas se você não tem e precisa de ajuda, por exemplo, você não vai vender o seu carro para fazer um trabalho espiritual. Procure um lugar que te atenda gratuitamente", instrui.

 

Foto: Antônio Rodrigues/SVM

Por Lucas Zanetti, g1 Ribeirão Preto e Franca

 

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